
O mega-assalto em Araçatuba (SP), que chocou o Brasil em 30 de agosto de 2021, virou inspiração para um dos episódios mais impactantes da série policial “DNA do Crime”, da Netflix. Intitulado “Reféns”, o episódio dramatiza a madrugada de terror vivida por moradores da cidade, quando cerca de 20 criminosos armados com fuzis e explosivos atacaram agências do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, deixaram três mortos, cinco feridos e causaram um prejuízo estimado em R$ 3,5 milhões.
O crime, que está entre os maiores já registrados no estilo chamado de “novo cangaço”, foi marcado por extrema violência, táticas militares, o uso de reféns como escudo humano e dezenas de explosivos espalhados por ruas e avenidas de Araçatuba. De acordo com a Polícia Federal, 98 artefatos explosivos foram encontrados na cidade – uma das maiores apreensões já feitas em território paulista.
Série mistura realidade e ficção, mas mantém fidelidade à logística do crime
Embora a série da Netflix introduza personagens fictícios e invista em um enredo centrado em análises de DNA e investigação forense, muitos elementos do episódio “Reféns” se baseiam diretamente na realidade. A atuação da quadrilha, o uso de drones, carros blindados artesanalmente, bloqueios de ruas e a violência brutal do ataque foram mantidos com alto grau de fidelidade.
Na ficção, a investigação é conduzida por uma força-tarefa federal altamente especializada. Na vida real, a Polícia Federal também liderou as investigações, que seguem em andamento até hoje, com parte do dinheiro ainda não recuperado.
A série que reacendeu o debate
O episódio “Reféns” reacendeu a discussão sobre o caso ao retratar com alto grau de realismo a noite do assalto em Araçatuba. A produção mostrou o uso de explosivos, reféns, tiroteios e a ação da quadrilha com precisão logística, embora tenha dramatizado alguns aspectos — como a centralidade do uso de DNA na investigação, que não foi confirmado oficialmente pela PF, e personagens fictícios que lideravam a operação.
Apesar de ambientada no interior paulista, a série não foi gravada em Araçatuba, mas em locações de outras cidades. A fidelidade na recriação do cenário e dos métodos usados pelos criminosos, no entanto, tem sido elogiada.
O ataque: armas de guerra, terror urbano e milhões levados
Na madrugada do crime, ao menos 10 veículos foram utilizados pela quadrilha, que invadiu simultaneamente as duas agências bancárias na região central de Araçatuba. Os criminosos estavam armados com fuzis de calibres .50, 7.62 e 5.56, além de coletes, rádios comunicadores e explosivos. Um dos fuzis .50 estava montado em um tripé dentro de um carro-bunker para disparos à distância.
Diversos civis foram capturados nas ruas e usados como reféns amarrados aos veículos, impedindo a aproximação da polícia. Houve intensa troca de tiros, explosões, incêndios de carros e pânico generalizado. Um morador perdeu os pés ao pisar acidentalmente em um explosivo deixado nas ruas.
A estimativa inicial é de que pelo menos R$ 3,5 milhões foram roubados, principalmente do cofre da agência do Banco do Brasil, onde eram guardados valores destinados ao abastecimento de caixas eletrônicos. Da Caixa Econômica, também houve tentativa de roubo, mas o valor não foi oficialmente divulgado.
Ligação com o PCC e a morte de um dos principais suspeitos
Investigações da Polícia Federal apontaram que o crime foi articulado com apoio direto da facção PCC (Primeiro Comando da Capital), responsável pelo fornecimento de armas, apoio logístico e financiamento da ação. Um dos principais nomes ligados ao esquema era André Ferreira Borges, conhecido como “Pane”, apontado como operador da facção no ataque.
“Pane” foi morto em março de 2025, durante confronto com a Polícia Militar em Campinas (SP). Sua morte foi considerada um golpe na estrutura da quadrilha, que segundo a PF já planejava novos ataques semelhantes em outras cidades do interior.
Ação policial e investigação seguem ativas
Nas primeiras 48 horas após o crime, quatro suspeitos foram presos e parte do dinheiro foi recuperada em malotes abandonados em áreas rurais de Araçatuba. Ao longo dos meses seguintes, a PF cumpriu mandados em Goiás, Mato Grosso do Sul, Paraná, Minas Gerais e São Paulo, resultando no indiciamento de 37 pessoas por envolvimento no crime.
Entre os crimes atribuídos aos envolvidos estão roubo qualificado, organização criminosa, extorsão mediante sequestro, homicídio e terrorismo (pelo uso de explosivos e ameaça à segurança coletiva).
Em 2023, a PF deflagrou a Operação Iscariotes, que focou no rastreamento do dinheiro desviado e na prisão de operadores financeiros da quadrilha.
Linha do tempo do caso Araçatuba
30/08/2021 – Mega-assalto em Araçatuba; três mortos, cinco feridos e R$ 3,5 milhões roubados.
Agosto–Setembro/2021 – Prisões iniciais, apreensões de armamento, explosivos e recuperação parcial de dinheiro.
Outubro/2021 a Abril/2022 – PF indica ligação com PCC e indiciamento de 37 pessoas.
Agosto/2022 – MPF formaliza denúncias por cinco crimes, incluindo terrorismo.
2023 – Novas prisões em operação de combate à lavagem de dinheiro.
Março/2025 – Morte de “Pane”, suspeito de liderar o ataque.
Junho/2025 – Investigação segue ativa; menos de 30% do dinheiro foi recuperado.
Por que Araçatuba?
A cidade foi escolhida por ser um polo financeiro regional, com grande circulação de dinheiro em espécie, e por oferecer rotas de fuga rápidas, como a BR-153 e diversas vicinais. A geografia da cidade facilitou o planejamento e a execução do ataque em larga escala.
Realidade e ficção lado a lado
O episódio de “DNA do Crime” ajuda a manter viva a memória do que aconteceu em Araçatuba, ao mesmo tempo em que dramatiza personagens e situações para dar ritmo narrativo à série. A ligação com o crime real é evidente, especialmente na logística da ação criminosa e na sensação de vulnerabilidade sentida por toda a população.
Apesar da dramatização, o episódio presta uma espécie de homenagem — crua e impactante — a uma das noites mais violentas da história recente do interior paulista. Enquanto a série avança em popularidade, a realidade do crime continua sem desfecho definitivo.
Conclusão
O mega-assalto em Araçatuba marcou a história recente da segurança pública no Brasil. Três anos depois, as investigações revelam não apenas a brutalidade e a precisão logística do crime, mas também os tentáculos de uma organização criminosa nacional com capacidade de articular ações com padrão militar. A caçada aos foragidos continua, e o mistério sobre o paradeiro da maior parte do dinheiro roubado segue sem resposta.
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